O projeto do Apartamento Arouche surge do encontro entre dois amigos, de um lado está dona da marca de turbantes, Turbano, Carla Machado que mora na Itália e possue um apartamento no Largo do Arouche e do outro está o arquiteto Eduardo Chalabi, que depois de uma temporada nos Jardins, estava procurando um apartamento no Centro. Um amigo em comum aparece com uma brilhante idéia: o Chalabi faz a reforma do apartamento da Carla e vai morar lá ! Abraçamos a ideia e assim começou o projeto.
O Apartamento se encontrava em condições críticas. Depois de algumas reformas mal fadadas, que mais pioraram o apartamento do que melhoraram, pois a janelas originais de madeira e vidro foram trocadas por janelas de alumínio, as pastilhas brancas originais foram substituídas por azulejos beje e marrom. O piso original de taco foi mantido mas precisava de um belo tratamento e, por se tratar de um apartamento construído nos anos 50 ele tinha apenas 5 tomadas e a parte hidráulica estava bem mal.
Começamos o projeto com duas premissas, tirar a cozinha do cubículo original e leva-lá para área de estar e demolir a parede entre o quarto e a sala para dar mais amplitude e integrar todos os espaços. Ao mudar a cozinha, fizemos no seu lugar uma pequena área de serviço e um acesso que atende ao banheiro e closet, deixando o quarto interligado à sala com uma grande porta de correr que o fecha completamente garantindo a privacidade. Mesmo sendo um apartamento de 45m2, o espaço interno é muito generoso, pois possue um pé-direito de 3,00m de altura e grandes janelas, inclusive uma varanda com porta balcão.
O grande desafio de projetar para espaços pequenos é o de conseguir lugar para armazenar e guardar as coisas da vida e ainda sobrar espaço para o fluir da vida. Tendo isso em mente, tiramos partido do pé-direito alto e construímos estantes que abraçam a área de estar, ao longo das paredes externas emoldurando as janelas e que segue se desenvolvendo na parede perpendicular formando a cozinha, com armários fechados,a bancada e o nicho da geladeira. Formando um conjunto único que dá forma e caráter à intervenção nova.
Com o projeto pronto a obra começou, e na demolição uma grande surpresa apareceu. A parede que separa o quarto da sala, que foi o mote de toda a reforma, é estrutural, toda em concreto e por isso não poderia ser demolida. Pânico, o que fazer? Ficamos uma semana Carla e eu deprimidos, mas depois de passado o susto, refiz o projeto considerando a parede no seu lugar original, tiramos toda a alvenaria que complementava a estrutura, retiramos toda a massa que revestia a parede e deixamos ela crua, em concreto aparente. Aproveitamos até uma pequena brecha entre o fim da parede de concreto e a parede externa para deixar uma passagem de luz com uma porta pivotante. Assim a parede que deveria sumir acabou virando a grande vedete do projeto e acabou ganhando até uma hachtag só sua:
#arouchedeconcreto.
Ao final o espaço do estar, jantar e cozinha ficou separado do quarto, deixando o layout mais “careta”. Com o uso percebi que o fato do quarto ficar totalmente apartado, é uma delícia. Pensamos também na vida de um casal, que pode usar toda a casa independente do quarto, dando mais privacidade e conforto.
No mais trocamos todas as instalações hidráulicas e elétricas, instalamos aquecimento à gás e o banheiro foi integralmente repaginado, ganhou uma bancada de mármore com uma pia semi embutida, gabinete de fórmica branca,sobre a bancada um espelho que está ao longo de toda a parede, dobrando o tamanho do banheiro, que aliado às pastilhas brancas ganha uma luminosidade incrível. O box aberto apenas com um pára-ducha de vidro fixo ajuda a ampliar mais o espaço.
O último item foram as janelas que foram trocadas anteriormente por janelas apenas de alumínio. Agora subtituímos por janelas anti-ruído, com o mesmo desenho das janelas originais. Para morar no centro esse item é fudamental pois o ruído é bem elevado e a movimentação intensa, que é uma vantagem para a vida do bairro, mas difícil na hora de dormir.
Com a arquitetura resolvida e os acabamentos definidos, o piso em taco de madeira de peroba rosa e a parede em concreto aparente, decidimos que todo o entorno seria branco, marcenaria e paredes, para ampliar espacialmente, refletir mais a luz e fazer o papel de fundo neutro para o móveis, objetos e obras de arte.
O mobiliário é um mix de peças herdadas e compradas ao longo da vida. O sofá da Forma, herdado da tia, foi refeito com tecido ultrasuede cinza grafite que compõe a sala junto com a poltrona de Percival Lafer da loja Verniz e os bancos Escher da Galeria Nacional. Estes estão sobre o tapete Magic Natural da Botteh Tapetes formando com a mesa de centro que foi desenha por mim, e o revisteiro da Mariana Tassinari, feito especialmente para Mendes Wood, a sala de estar. A sala de jantar também tem a mesa desenhada por mim e cadeiras Formiga originais da década de 70 e cadeiras herdadas do escritório do meu avô, repaginadas em vermelho. A louça sobre a mesa é da Coleção Rio de Janeiro de Bruno Jahara para Vista Alegre e a luminária pendente sobre a mesa da Bianca Barbato, ambos comprados na Galeria Nacional.
As obras de arte e os objetos são um capítulo a parte pois são na sua maioria de amigos artistas, obras que ganhei e comprei, e que foram minuciosamente estudadas para caberem nas paredes do apartamento. Obras de Lenora de Barros, Lucas Simões, Fábio Gurjão, Adão Pinheiro, fotos de Vává Ribeiro, Nelson Kon e neon de Kleber Matheus entre outras obras de artistas adquiridos nas feiras Tijuana e Plana. Objetos indígenas, se misturam com baixelas de prata, louças antigas, livros e discos, tudo é permitido na grande estante feita para abarcar a variedade da vida.
Assim um apartamento de mais de 60 anos foi atualizado em matéria de instalações e conforto para a vida contemporânea. Reformar apartamentos antigos podem nos dar boas surpresas, mas antes de mais nada é a maneira mais sustentável de viver nas grandes cidades, pois aproveitamos o que já foi construído, dando aos espaços antigos, novos usos e novas oportunidades. Além de aproveitar o que as construções antigas tem de melhor, sua generosidade espacial, tão rara nos dias de hoje.
São Paulo, SP, Brasil.
Projeto: 2016
Obra: 2017
Área: 45m2
Fotos: Maíra Acayaba